quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

"O lençol é curto"

Uma das melhores expressões para explicar a relativa escassez de qualquer coisa é "o lençol é curto", ou seja, não dá para cobrir todos ao mesmo tempo. A relativa (e mesmo a absoluta) escassez é um fator constante na natureza. Animais, e mesmo plantas, disputam a tapas seus alimentos, água e outros recursos necessários a sobrevivência. A escassez é a batuta que a natureza usa para reger a seleção natural.


No planeta dos homens, que ainda está ligado à natureza por um cordão umbilical, essa orquestra é suavizada. Existe escassez mas não nas proporções impostas pela natureza (as vezes ela é imposta por políticos, mas aí é outro papo), mesmo assim, temos que lidar com tal escassez.


Em sociedades organizadas, a escassez relativa...

(Escassez relativa = Mesmo havendo uma certa abundância de um determinado produto, ela não atende à demanda dos consumidores, seja pela quantidade que cada um consome ou pela quantidade de consumidores.)

...a escassez relativa é administrada por meio de alguma coerção ou pelo mercado...

(Mercado = mercado não é tão somente o conjunto dos grandes produtores, mas sim, o conjunto de trocas de todos os produtores de qualquer tamanho e de consumidores, tanto internos quanto externos. Podemos incluir também os bancos, financiadoras, etc..etc...)

...ou pelo mercado, através de preços, cotações, juros, etc...



Vamos a um exemplo simples, bem simples.


João tem R$ 100,00, e quer torrar a grana com maçãs e laranjas. Cada quilo de maçã custa R$ 5,00 e as laranjas custam R$ 4,00 (não sei de quanto se paga na fruteira). Ele pode gastar tudo em maçãs e com isso adquirir 20 quilos do produto. Ou pode gastar tudo em laranjas e adquirir 25 quilos dessa. Mas provavelmente (talvez uns 90% de chance), ele compre um pouco de cada coisa. Talvez 10 quilos de laranja e 12 quilos de maçã...veja que há várias combinações de compra, que podem ser expressas com a seguinte equação:


                                    4L + 5M = 100


Entendeu? Não se preocupem, explicar-vos-ei: o "L" significa a quantidade de Laranjas, e o "M", a quantidade de Maçãs. O número ao lado de cada letra é o preço de cada fruta. O "4L", por exemplo, é o preço da laranja MULTIPLICADO pela quantidade de laranjas. Se eu escolher os 10 quilos de laranja, teremos o seguinte


                                   4 x 10  +  5M  =  100

Para que a conta feche em 100, então nos nos resta outra alternativa a não ser substituir o M por 12. Logo, teremos:


                                   4 x 10  +  5 x 12  =  100



O que tudo isso significa? Significa que com um orçamento limitado a R$ 100,00, não podemos gastar mais do que isso. Se eu comprar 10 quilos de laranjas, dado esses preços, então só posso comprar 12 quilos de maçãs. Para comprar mais laranjas, terei que comprar menos maçãs. Esses R$ 100,00 é aquilo que os economistas chamam de restrição orçamentária, é o que temos para gastar. Os economistas e afins chamam tudo isso de Trade-Off. Então, se ouvir alguém falar em "treidi-ófi", já sabe do que se trata.


Os mais atentos já devem ter percebido que essa regra não se limita apenas às finanças, mas a tudo. Se o lençol é para cama de solteiros, então não deve ser usado por casais. se a sombra da árvore pode abrigar quatro pessoas, então a quinta pessoa fica de fora ou terá que "negociar" um espaço. Na natureza, os próprios animais "negociam" entre si a divisão dos recursos relativamente escassos, como água, comida, parceira sexual, abrigo ou espaço. Aí requer uma aula de zoologia, ou seja, é outro papo.


Agora, entendeu porque nem todos podem ter mansões ou três carrões na garagem? Entendeu porque existem preços? Entendeu porque temos que respeitar nossas restrições tanto orçamentárias quanto de qualquer coisa? Não é avareza (às vezes é!), não é maldade (às vezes é!), não é direitismo (mentira, sempre é!) e não é preferência por palmeirenses (às vezes é!), mas sempre é administrar a escassez relativa, tá aí um papo de economistas.




sábado, 7 de janeiro de 2017

Piorou ou melhorou?

É comum lermos ou vermos algumas comparações de "antes e depois". Tipo: a inflação era de 30% ao ano há vinte anos atrás, e agora é tão somente de 10% ao ano, logo, melhorou, correto?  Ou então, "Ah, mas os preços continuam subindo, logo, não melhorou nada", correto? A resposta a questões como essa é...quem sabe!!!


Observem o gráfico abaixo com dados hipotéticos



Agora, vejam esse:



No primeiro gráfico, temos uma inflação de 30% em 1995 e 10% em 2016. No segundo gráfico, a mesma coisa, mas com uma diferença: a inflação chega ao seu ponto mínimo em 2002, depois disso, ela só aumenta até chegar aos 10% em 2015 e aparentemente continua subindo. No primeiro caso, os 10% é o resultado de uma queda da inflação; no segundo, é o resultado do aumento. No primeiro caso, um dia chegará a 1% ou menos; no segundo, um dia chegará a 30% ou mais. 


Um outro caso a ser analisado é quando há um único dado isolado, sem outro para compará-lo. Exemplo: o dólar está a R$ 3,50, é pouco, é muito ou normal? Notem que não há um outro valor de outro período para ser comparado, embora possamos fazer isso, o que importa é que também podemos usar uma série de dados anteriores, como feito acima, para saber se o dólar subiu, desceu, ou se mantém em um padrão de estabilidade, pois o que importa nesses casos é a tendência de "baixa ou alta".



De certa forma, nossa mente "grafica" (conjugação verbal tão irreal que o corretor ortográfico acusou o erro), mas não dessa forma. O que muita gente faz é comparar dois elementos de diferentes períodos, como no exemplo da inflação, isoladamente. Vamos usar novamente o exemplo da inflação.







Em 1996, havia uma inflação de 30%, e em 2016, a inflação foi de 10% (lembrando que são situações hipotéticas). No gráfico, há três situações que podem ter ocorrido nesse meio tempo, embora existem outras. Na primeira, a inflação subiu e depois desceu até os 10% (linha azul). No segundo, ela desceu até chegar a 10% (linha vermelha). No terceiro, ela desceu muito e em seguida subiu até chegar aos 10% (linha amarela). Muitas pessoas imaginam é que ocorre apenas o segundo caso - só descendo. É uma espécie de raciocínio linear. Como posso explicar...? É como se nossa mente vê as mudanças de uma forma...linear, tanto para cima quanto para baixo. Essa situação é possível, mas não é a única, como imaginamos.


Uma forma de "raciocínio linear" que sofre uma mudança abrupta ocorre com freqüência após uma mudança de governo (deve haver outros exemplos, mas esse é o mais freqüente). Por exemplo: O atual governo reduziu significativamente a miséria que durava séculos. Algo parecido com o primeiro exemplo do texto, com a diferença é que até o governo anterior, nada mudou e depois, de uma hora para outra, tudo muda. como na figura abaixo:






Notem que até o Ano 4 (ano que entrou o novo governo), a pobreza histórica se manteve em um nível elevado, mas "graças ao novo governo", ela foi reduzida drasticamente, como num passe de mágica, e não como um provável declínio que vem ocorrendo ao longo dos anos. O inverso pode ocorrer, quando um elemento tem um abrupto aumento "graças ao novo governo". Esse é a forma de raciocinar de muitos eleitores, tanto do governo quanto de oposição.


A sua atual condição social/financeira está boa ou ruim? Para responder isso, você irá comparar com anos anteriores, com todos os seus altos e baixos. É assim mesmo que você deve formar opinião sobre as demais coisas.


domingo, 1 de janeiro de 2017

Duas coisas correlacionadas!!!

Quem, em meados do ensino fundamental, nunca viu ou se lembra daqueles sinaizinhos ∪, do ∩, que significam, respectivamente, união e intersecção. A versão mais usada nessa nossa fase adulta é o E e OU. Preste atenção nessas sentenças:


"Preciso de pessoas que dominem o português E matemática"
"Preciso de pessoas que dominem o português OU matemática" 


Qual a diferença entre elas? Na primeira, a pessoa deve dominar as duas disciplinas. No segundo caso, a pessoa pode dominar só a matemática ou só o português. 


Vamos a um probleminha de caso:


70% dos candidatos dominam o português
70% dos candidatos dominam a matemática


Considerando que todos dominam pelo menos português ou matemática, quantos dominam o português e a matemática ao mesmo tempo? Simples: somam-se os percentuais e diminui por 100 (de 100%). Nesse caso, 70(%) + 70(%) - 100(%) = 40%


Ou seja, 40% dominam português e matemática ao mesmo tempo. Os demais, dominam só o português ou só a matemática. Essa foi fácil porque só havia duas possibilidades: matemática ou português. Não havia outra opção, nem mesmo a opção neutra.


Agora, vamos incluir essa opção neutra, usando duas variáveis que aparentemente não tem nada a ver uma com a outra: veganos e carros. A pergunta é: qual o percentual de veganos que tem carros? Aí não temos uma resposta conhecida, mas um número mínimo e máximo. Vejamos:


70% dos entrevistados são veganos (os outros 30% não)
70% dos entrevistados tem carros (os outros 30% não)


Aí faremos dois cálculos. O primeiro, é o mesmo que fizemos acima. O outro, não é um cálculo, mas tão somente identificar o menor percentual apresentado. Como os dois percentuais são iguais (70%), então, o "menor" percentual é 70%. Logo, o percentual de veganos que tem carros varia entre 40% a 70%. 40% não nos diz nada, mas, e se o percentual verdadeiro for 70%? Aparentemente, haveria uma relação entre o veganismo e a posse de um veículo. Qual seria o segredo dos veganos para conseguir um carro? O próprio veganismo ajuda alguém a ter um carro? Ou o veganismo e a propriedade de um carro possuem uma mesma causa? Ou é só coincidência? Por maior que seja essa e outras correlações, não significa necessariamente que há uma relação entre causa e efeito. Afirmações baseadas em correlações sem nenhuma relação de causa e efeito, pode dar origem a superstições. No caso acima, alguém pode acreditar que o veganismo pode ajudar a conseguir um carro, ou que hortências nas casas deixam as filhas solteironas (já ouviram falar nisso?).


Relação causa e efeito, um exemplo: "onde há fumaça, há fogo". Nesse exemplo, o fogo é a causa da fumaça, então, existe uma relação de causa e efeito entre o fogo e a fumaça. Veganos e carros: aparentemente não existe uma relação entre causa e efeito entre eles, como foi explicado acima. Frio e gripe: é sabido que muitos ficam gripados por causa do frio, logo, há uma relação entre causa e efeito entre o frio e a gripe.

Correlação. Exemplos: há uma correlação entre a "fumaça e fogo", pois ambos elementos sempre estão juntos. E correlação entre o filtro solar e o consumo de cerveja? Mesmo não existindo uma relação de causa e efeito entre esses elementos, ambos aparecem nos mesmos dias do ano e nos mesmos lugares (no caso da cerveja, há apenas um aumento do consumo). Isso porque eles são consequências da mesma causa: o calor; de qualquer modo, existe uma correlação alta entre filtro solar e cerveja.

As correlação apresentadas são positivas, ou seja, quanto mais um, mais o outro, mas também existe a correlação negativa: quanto mais um, menos o outro. Um exemplo de correlação negativa: predadores e presas; quanto mais predadores, menos presas, e vice-versa.

As correlações, se já perceberam, é o equivalente à intersecção (∩) que aprendemos no ensino fundamental.


As correlações elevadas podem nos apresentar curiosidades a respeito das idéias e opiniões, mostrando algumas vezes contradições. Em 2015, a Suprema Corte americana legalizou a união homoafetiva para todos os estados americanos. Qual foi a minha surpresa quando vi no Facebook várias e várias pessoas - muitas delas, antiamericanas - trocando suas fotos para homenagear a decisão, como se fosse aqui? Aí me veio a pergunta: qual o percentual de pessoas "homofílicas" E anti-americanas? Um percentual elevado, imagino eu, uma vez que a "homofilia" (um antônimo para homofobia) e anti-americanismo estão ligados ao pensamento da esquerda, e agora, os homofílicos estão comemorando a união homo-afetiva em um país que detestam? Se eu usasse a lógica do Excel, sem dúvida iria ver nisso um aviso de "error" seguido de um número.


Por enquanto, é isso que tenho a falar sobre correlações e relações de causa e efeito.


Façam esse exercício em casa. Escolham duas variáveis/elementos quaisquer, e vejam se há uma correlação, positiva ou negativa, entre eles. Se não sabe por onde começar, darei umas sugestões: pássaros x dias frios; verão x baratas; aumento do salário mínimo x movimento nos bares.